Por Berna Almeida

crônicas -

O Desacolhido


Do outro lado do vidro transparente, enquanto um dormi, o outro corre para a labuta.

Acorda para dar os remédios, chama os meninos, manda escovar os dentes, vestir o uniforme, calçar sapatos…

– Fizeram os deveres? – Pergunta ansiosa, enquanto a água do café seca no fogo.


Volta correndo no quarto do pai, assegura se está tudo normal, põe as crianças no carro, leva na escola, volta correndo para casa preocupada com o pai.

Volta para casa, volta no quarto, tira fraldas, lençóis, dá banho, põe na cama, junta a roupa para lavar, enquanto a máquina trabalha de lá, a louça é lavada de cá, mas a cabeça já está na vassoura para varrer a casa, passar pano, colocar o lixo para fora, fazer almoço, buscar os meninos na escola….

Ixi… O café da manhã de papai?

Dá o café, dá o remédio, limpa a casa, tira o lixo, começa o almoço, o pai vai atrás:

– Quem é você? Só dá tempo de olhar e voltar ao trabalho.

Dá a hora de buscar as crianças, pai vai junto, mesmo sem entender nada. Volta correndo:

– Tirem os uniformes, tomem banho, venham almoçar…

Cabelo esvoaçado, unha por fazer, futrica no prato, mal come… Não tem tempo…


Marido chega reclama da casa, da mulher, da educação dos filhos, alega que ela não dá a mínima mais para ele, não se arruma, não se ajeita.

Ela nem discute mais, perdeu a motivação, e a mente é um turbilhão, as mãos trêmulas, o corre, e vai, e volta, não cessa.

Eita, Juninho tem consulta depois de amanhã…

Quem vai ficar com papai?

Liga para os irmãos, e a resposta é a de sempre:

– Ah se você tivesse me falado antes… – Ele está bem?

A irritação aumenta e a resposta evapora – enquanto isto, papai já está lá no portão resmungando que quer ir embora, sua mãe quer falar com ele, mas vovó faleceu há 10 anos.

Qual o medicamento eficaz para o Cuidador que já está neste estágio?

Ansiolíticos, psicotrópicos, qual?

Qual deles lhes darão forças para enfrentar um batente diuturnamente 48 h/dia?

Qual deles tirará o peso de sua consciência quando as forças cessam, o cansaço apossa, e os gritos no ente querido se faz presente?

Paciência? Mas o que é paciência?

Paciência foi a primeira coisa que aqueles que prometeram ficar para ajudar, levaram embora.

Qual medicamento apagará da memória do cuidador, o desprezo familiar?

A dor da impotência?

Desgastante a luta para curar o incurável…

Daqui a pouco a ansiedade acaba, a depressão toma conta, o cerco fecha.

O ente querido parte, o cuidador fica buscando saídas e respostas.

Quem está acolhendo este desacolhido?



Autoria: Berna Almeida